Quando pensamos em demência, é comum buscarmos explicações no indivíduo: idade, genética, hábitos de vida. Mas e se parte da resposta estiver fora da pessoa?
A pesquisa analisou dados de mais de 6.700 pessoas idosas em Chicago, nos EUA, e encontrou algo contundente. Quanto maior o nível de vulnerabilidade social do bairro, maior o risco de demência.
Em áreas com altos índices de desvantagem, o risco foi mais que o dobro.
Esses índices consideram renda, escolaridade, emprego e deficiência. Essa comparação é feita com bairros mais privilegiados.
Índice

O que está por trás desse risco de demência?
Esse estudo utiliza o chamado Índice de Vulnerabilidade Social (SVI). Ele mede a capacidade de uma comunidade de se preparar e responder a eventos adversos.
Embora não prove causalidade, os dados sugerem uma associação importante. O ambiente onde se vive pode impactar o funcionamento cognitivo ao longo do tempo.
Os pesquisadores observaram que as funções cognitivas das pessoas em bairros mais vulneráveis declinaram 25% mais rápido. Isso foi mais rápido do que as daquelas que moravam em regiões menos desafiadoras.
Isso significa que, ano após ano, viver em um ambiente socialmente precário pode acelerar o esquecimento. Também pode causar confusão e outras dificuldades cognitivas.
Desigualdades que adoecem
Talvez o dado mais emblemático seja este: antes de considerar o bairro, havia uma diferença racial nos casos de Alzheimer. Mais pessoas negras tinham diagnóstico em relação às brancas.
Mas ao ajustar os dados pelo nível de vulnerabilidade do bairro, essa diferença desapareceu.
Isso nos leva a uma pergunta essencial: o que estamos diagnosticando quando falamos em demência? Estamos apontando uma condição médica individual ou denunciando o efeito prolongado de desigualdades sociais?
A demência como espelho de um mundo desigual
É comum que diagnósticos como Alzheimer ou outros tipos de demência sejam tratados como eventos exclusivamente biológicos. No entanto, este estudo escancara algo que muitos profissionais da Psicologia já vinham percebendo: o sofrimento psíquico é socialmente condicionado.
A invisibilidade social e o estresse crônico se somam a outros fatores. Viver em regiões marcadas por violência, desemprego ou abandono do poder público desgasta não só o corpo. Estes fatores também afetam a mente.
Você já pensou no quanto o seu bairro influencia seu bem-estar emocional e cognitivo?
O cuidado precisa ultrapassar a clínica
A autora do estudo, Pankaja Desai, defende que devemos olhar para além do indivíduo. Ela reconhece que “intervir no nível comunitário é desafiador. No entanto, pode ser uma forma eficaz de mobilizar recursos. Isso pode reduzir o risco de demência na população”.
Isso nos convida a repensar políticas públicas. Não basta aumentar o número de diagnósticos ou expandir o acesso a medicamentos. É preciso garantir o direito a uma velhice digna. Isso deve acontecer em ambientes que favoreçam a saúde mental e o pertencimento social.
Caminhos possíveis: o que este estudo nos ensina?
- Que o sofrimento psíquico tem raízes sociais profundas
- Que desigualdades estruturais podem se expressar em diagnósticos
- Que a Psicologia precisa atuar com responsabilidade social, como propõe nosso Código de Ética Profissional
- Que precisamos perguntar não apenas o que está acontecendo com essa pessoa, mas também em que mundo ela está vivendo
E você, como tem sido afetado pelo lugar onde vive?
Você já sentiu que o ambiente ao seu redor influencia seu humor, sua memória ou sua disposição? Como seria viver em um lugar que te oferece mais acolhimento, segurança e bem-estar?
A reflexão que esse estudo nos propõe não é apenas científica — ela é existencial e política. Afinal, cuidar da mente também é lutar por um mundo mais justo.
Referência
DESAI, Pankaja et al. The Social Vulnerability Index and Incidence of Alzheimer Disease in a Population-Based Sample of Older Adults. Neurology, v. 104, n. 8, 2025.
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