Imagine um mundo onde palavras como “inclusão“, “diversidade”, “gênero“, “opressão” e “equidade” são banidas da produção científica. Parece distopia, mas é censura à ciência. E está em curso nos Estados Unidos.
Jan Velterop menciona isso no artigo publicado pelo blog SciELO em 26 de março de 2025.
Os efeitos dessa censura já ultrapassam fronteiras.
A comunidade científica internacional está de cara com a tentativa do governo norte-americano de controlar o discurso científico.
O governo está silenciando termos e restringindo colaborações internacionais.
Essa não é uma notícia que pode ser ignorada.
É um alerta — e um chamado à ação.
Índice

Quando a ciência é controlada, quem perde é o mundo
A censura imposta atinge, sobretudo, áreas que envolvem questões humanas, sociais, ambientais e de saúde.
Nesses campos, o debate ético e a reflexão crítica são centrais. O recado é claro: temas como racismo, equidade de gênero, direitos socioambientais e saúde mental devem ser evitados.
A justificativa? Proteger interesses nacionais. Mas a quem realmente serve esse silêncio?
A restrição de palavras que nomeiam desigualdades é também uma tentativa de invisibilizar realidades. E quando a ciência deixa de nomear as dores do mundo, ela se torna cúmplice das estruturas que as perpetuam.
Um ataque à liberdade de pensamento
O artigo de Jan Velterop destaca que pesquisadores fora dos EUA, como nos Países Baixos, receberam e-mails do governo americano. Esses e-mails eram intimidadores.
As mensagens questionavam até mesmo se seus projetos poderiam “contribuir com a influência americana.” As mensagens também perguntavam se “não estavam ligados a direitos climáticos ou ambientais.”
Essa abordagem nos faz lembrar regimes autoritários. Ao longo da história, esses regimes tentaram controlar o pensamento crítico sob o pretexto da segurança nacional.
A diferença é que, agora, isso vem do país que era considerado o maior polo de produção científica do planeta. Essa mudança aconteceu recentemente.
A Psicologia diante do cerceamento da ciência
Como psicólogos e psicólogas, é inevitável refletir sobre os impactos subjetivos de uma política como essa. Afinal, o Código de Ética da nossa profissão nos orienta a atuar com responsabilidade social.
Precisamos analisar criticamente a realidade política, econômica, social e cultural (CFP, 2005, Princípio III).
Mais do que produzir conhecimento, nossa prática deve contribuir para a construção de uma sociedade mais justa. Se a ciência é reduzida a uma ferramenta de poder geopolítico, perdemos sua principal função: promover o bem comum.
Que subjetividades se formam num contexto onde a dúvida é punida? Em que a diversidade é omitida e o diálogo internacional é visto como ameaça?
Que tipo de saúde mental é possível num mundo onde a verdade científica é moldada por interesses ideológicos?
O risco da neutralidade: silenciar é consentir?
Talvez você esteja se perguntando: “Mas o que isso tem a ver comigo, aqui no Brasil?”.
Tudo.
A produção científica é interdependente. Se pesquisadores deixam de publicar ou se retrair por medo de retaliações, todos perdemos.
Se universidades brasileiras evitam colaborações internacionais por receio de sanções, nossa ciência empobrece.
Além disso, o precedente é perigoso. O que hoje se passa nos Estados Unidos pode inspirar medidas semelhantes em outros países. Inclusive no nosso.
Se normalizarmos a censura à ciência, abrimos espaço para que ela se instale silenciosamente entre nós.
A força da resistência coletiva
Diante desse cenário, cientistas norte-americanos lançaram a Declaration To #DefendResearch Against U.S. Government Censorship.
Ela conclama colegas do mundo todo a assinarem e divulgarem o documento. Trata-se de um movimento essencial — mas que não pode se limitar à assinatura de um manifesto.
É preciso, sobretudo, manter viva a produção de conhecimento comprometida com os direitos humanos. Também com a diversidade e com o enfrentamento das injustiças.
Não podemos permitir que a censura à ciência se transforme numa ferramenta de opressão institucional.
Precisamos falar sobre o papel ético da ciência
O Código de Ética do Psicólogo brasileiro não nos permite neutralidade diante de violações aos direitos humanos. Estamos convocados a eliminar todas as formas de negligência, discriminação, violência e opressão (CFP, 2005, Princípio II). Isso se aplica também à censura institucional da ciência.
A censura à ciência atual tenta reconfigurar o que pode ou não ser dito, estudado, nomeado. Mas sem nomear o sofrimento, como enfrentá-lo? Sem dados sobre desigualdades, como combatê-las? E sem diálogo entre pesquisadores, como inovar?
E agora, o que podemos fazer?
Essa notícia sobre censura à ciência — perturbadora e urgente — nos provoca a refletir:
- Estamos atentos aos riscos que ameaçam a ciência também em nosso país?
- De que forma podemos proteger o caráter público e transformador da produção científica?
- Como fortalecer redes de solidariedade entre pesquisadores e pesquisadoras no Brasil e fora dele?
- Que papel a Psicologia pode cumprir diante da instrumentalização ideológica do conhecimento?
Talvez seja necessário relembrar: a ciência que serve à vida precisa de liberdade para ser exercida. Precisamos defender o direito de pesquisar, de pensar e de compartilhar.
Não como um privilégio, mas como uma responsabilidade coletiva.
Veja a lista parcial de palavras proibidas
- Antirracista (antiracist)
- Barreira (barrier)
- Defesa de direitos (advocacy)
- Deficiência (disability)
- Desigualdades (inequities)
- Discurso de ódio (hate speech)
- Diversidade (diversity)
- Diversificado/a (diversified)
- Dominado por homens (male dominated)
- Equidade (equity)
- Etnia (ethnicity)
- Excluído/a (excluded)
- Exclusão (exclusion)
- Feminino (female)
- Gênero (gender)
- Histórico (historically)
- Inclusão (inclusion)
- Inclusivo/a (inclusive)
- Institucional (institutional)
- Interseccional (intersectional)
- Marginalizado/a (marginalized)
- Minoria (minority)
- Mulheres (women)
- Multicultural (multicultural)
- Não servidas (underserved)
- Opressão (oppression)
- Origens diversas (diverse backgrounds)
- Polarização (polarization)
- Viés implícito (implicit bias)
- Vieses (biases)
- Racialmente (racially)
- Relevância cultural (cultural relevance)
- Segregação (segregation)
- Sistêmica (systemic)
- Socioeconômica (socioeconomic)
- Sub-representado/a (underreoresented)
- Trauma (trauma)
- Vítimas (victims)
Referência
VELTEROP, Jan. Ciência global em perigo. Blog SciELO. 26 mar. 2025.
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