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Psicologia e trabalho: psicólogos são instrumentos de opressão ou libertação?

    A psicologia está perpetuando estruturas opressivas?

    O campo da Psicologia e tem um papel essencial na construção da subjetividade.

    Também influencia o modo como os indivíduos compreendem seu lugar no mundo.

    No entanto, dois estudos recentes, que apresentamos abaixo, questionam esse papel.

    A Psicologia, ao se alinhar a discursos neoliberais, pode estar contribuindo para a perpetuação de estruturas sociais opressivas.

    A pergunta que fica é: como podemos garantir que a prática psicológica esteja a serviço das pessoas realmente? Como garantir que ela não seja um meio de mera adaptação ao que nos adoece como ?

    Psicologia e trabalho: um homem acorrentado a um relógio e a um túnel, simbolizando um ambiente de opressão e ansiedade

    Psicologia e trabalho: psicólogos estão cegando as pessoas para a exploração?

    O estudo Do Psychologists Inhibit Awareness of Oppressive Social Structures? examina como a psicologia pode contribuir para a manutenção de estruturas sociais opressivas. Isso ocorre ao enfatizar a adaptação individual.

    Essa abordagem desconsidera o impacto das condições socioeconômicas. Os autores argumentam que práticas psicológicas baseadas exclusivamente em individualismo podem reforçar a normalização de ambientes exploratórios. Essas práticas podem não promover a consciência crítica e a mudança social.

    A enfatiza que a adaptação ao mercado de trabalho muitas vezes responsabiliza o indivíduo por sua situação.

    Ela falha em reconhecer fatores estruturais como desemprego, desigualdade e precariedade.

    Essa perspectiva pode levar à aceitação passiva de condições injustas, comprometendo a emancipação dos indivíduos.

    “Não é o trabalho que está precário… é você que não se adaptou.”

    Particularmente, conselheiros de carreira. O objetivo é analisar a influência dos discursos psicológicos dominantes na prática profissional.

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    A pesquisa identificou dois grandes temas:

    1. A construção do “indivíduo empregável” – Frequentemente reforça a ideia de que os indivíduos se moldem ao mercado de trabalho. Psicologia e trabalho não questionam as estruturas que geram desemprego e precarização.
    2. Os limites da psicologia – Muitos profissionais reconhecem que sua atuação é influenciada por discursos neoliberais. No entanto, enfrentam dificuldades para romper com essas narrativas. Adotar uma abordagem mais crítica e socialmente justa é desafiador.

    Os autores argumentam que o discurso hegemônico da psicologia reflete e reforça o neoliberalismo.

    Isso incentiva uma adaptação conformista em vez da emancipação.

    No entanto, eles também destacam um discurso alternativo. Este discurso reconhece o “contexto social como agressor”.

    Ele propõe uma abordagem mais crítica e libertadora para o aconselhamento de carreira e as intervenções psicológicas.

    O risco da “adaptação ao doente”

    Vemos que, muitas vezes, a psicologia foca excessivamente na resiliência individual ou no “pensamento positivo”. Ou, então, na busca por soluções estritamente internas.

    Nesse caso, ela pode, inadvertidamente, reforçar ambientes doentes.

    Um trabalhador está exausto por condições de trabalho abusivas. Ele pode ser aconselhado a “melhorar sua gestão do tempo” ao invés de questionar a exploração que enfrenta.

    Uma pessoa vivendo uma relação tóxica pode ser incentivada a “desenvolver mais paciência”. Em vez disso, ela deveria receber apoio para sair da dinâmica destrutiva.

    Essa abordagem ignora fatores como desigualdade, estrutural e precarização das relações de trabalho. Em vez de promover um questionamento profundo das condições impostas, a psicologia pode acabar servindo como uma ferramenta de conformidade.

    Espaços seguros: um caminho para a autonomia e a espontaneidade

    Diante desse cenário, o papel do psicólogo deve ir além da adaptação passiva. A psicologia deve atuar na criação de espaços seguros. Nesses espaços, as pessoas podem se expressar com autenticidade, espontaneidade, liberdade e autonomia. Isso é mais eficaz do que apenas ajudar os indivíduos a se encaixarem passivamente em sistemas disfuncionais.

    Um espaço seguro não significa um local onde não há desconforto ou desafios. Em vez disso, é um ambiente onde o indivíduo pode explorar sua própria subjetividade sem medo de julgamento ou repressão.

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    Desse modo, as pessoas têm liberdade para reconhecer e nomear suas angústias, desejos e sofrimentos. Assim, elas ganham ferramentas para agir sobre suas realidades. Isso é mais eficaz do que apenas se ajustarem a elas.

    Exemplos da precarização do trabalho na sociedade

    A precarização do trabalho tem se tornado um dos principais fatores de sofrimento psíquico na contemporaneidade. Jornadas exaustivas geram estresse crônico. A baixa remuneração e a instabilidade contratual também contribuem.

    Além disso, o medo constante do desemprego impacta a saúde mental dos trabalhadores. Algumas situações exemplificam esse cenário:

    • Trabalho em aplicativos de entrega e transporte: Motoristas e entregadores frequentemente enfrentam longas jornadas. Eles não têm direitos trabalhistas básicos, como férias e assistência médica. A lógica do “trabalhe mais para ganhar mais” causa uma sobrecarga física. Essa sobrecarga também é emocional e afeta diretamente sua qualidade de vida.
    • Profissionais da e saúde sob pressão: Professores e profissionais da saúde lidam com baixos salários. Eles enfrentam excesso de demandas e falta de suporte institucional. Isso pode levar a síndromes como e ansiedade severa.
    • A informalidade crescente: A falta de estabilidade trabalhista obriga muitas pessoas a aceitar condições degradantes. Elas aceitam essas condições sem qualquer garantia de direitos básicos.

    Ao invés de incentivar os trabalhadores a apenas desenvolverem resiliência individual, a psicologia deve ajudá-los a compreender essas dinâmicas. Eles devem buscar formas coletivas de transformação.

    O psicólogo como facilitador da emancipação

    A prática psicológica precisa ser um convite à emancipação, e não um instrumento de conformidade. Para isso, alguns princípios fundamentais podem guiar a atuação profissional:

    • Escuta ativa e crítica: Não apenas ouvir, mas ajudar a pessoa a perceber as dinâmicas sociais que impactam sua experiência.
    • Validação do sofrimento: Evitar a minimização das dores individuais por meio de soluções simplistas ou discursos de “pensamento positivo”.
    • Estímulo à autonomia: Auxiliar o indivíduo a encontrar caminhos. Esses caminhos não apenas o “adaptam”. Eles também lhe permitam transformar seu contexto.
    • Criação de espaços de liberdade: Um ambiente onde o paciente possa experimentar diferentes possibilidades de ser. O paciente não deve ter medo de punição ou exclusão.
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    A psicologia e a consciência social

    O Código de Ética Profissional da Pessoa Psicóloga estabelece que os psicólogos devem atuar com responsabilidade social. Eles devem analisar crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.

    Isso significa que o compromisso do psicólogo não deve ser apenas com o indivíduo isoladamente. Também deve ser com a transformação das condições que impactam sua subjetividade.

    O psicólogo cria espaços seguros. Ele incentiva a reflexão crítica sobre as condições que geram sofrimento psíquico. Assim, está promovendo a emancipação e a consciência social de seus pacientes.

    Dessa forma, evita-se que a prática psicológica seja apenas um instrumento de adaptação a estruturas injustas. Ao contrário, transforma-se em uma ferramenta de libertação e mudança.

    Psicologia e trabalho devem andar juntos. Em um mundo em que as atividades profissionais que exercemos são fundamentais para a dignidade isso não pode ser diferente.

    Psicologia e trabalho: uma Psicologia para a liberdade

    A Psicologia e trabalho podem ser um instrumento poderoso tanto para a emancipação quanto para a conformidade.

    Cabe ao psicólogo escolher se deseja atuar como facilitador da liberdade ou como agente de normalização de estruturas opressivas.

    Criar espaços seguros e respeitar a autenticidade de cada indivíduo é essencial para uma prática verdadeiramente transformadora.

    Referências

    CASANOVA, L. M.; COSTA, P.; LAWTHOM, R.; COIMBRA, J. L. The hegemonic psychological discourse and its implications for career counselling and psychological intervention. British Journal of Guidance & Counselling, 2022.

    CASANOVA, L. M.; COSTA, P.; LAWTHOM, R.; COIMBRA, J. L. Do psychologists inhibit awareness of oppressive social structures? British Journal of Guidance & Counselling, 2022.


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