Um estudo recente publicado na NEJM AI sobre IA terapeuta revelou resultados surpreendentes. Uma inteligência artificial generativa, denominada Therabot, mostrou-se eficaz no tratamento de sintomas clínicos de depressão.
Ela foi eficaz também na ansiedade generalizada e no risco de transtornos alimentares.
A pesquisa foi conduzida por especialistas da Dartmouth College. Este é o primeiro ensaio clínico randomizado com um chatbot de IA para saúde mental.
Mas antes que essa tecnologia chegue sem filtros ao Brasil, é preciso refletir: será que estamos preparados para isso?
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Um “terapeuta” sempre disponível?
O estudo acompanhou 210 pessoas por oito semanas. Dessas pessoas, 106 utilizaram o chatbot. O engajamento foi alto.
Em média, foram mais de seis horas de uso, o equivalente a cerca de oito sessões de terapia tradicionais.
Os participantes relataram melhorias significativas, como uma redução de 51% nos sintomas depressivos.
Além disso, relataram níveis de aliança terapêutica comparáveis aos encontrados com profissionais humanos.
Isso é relevante. Um dos grandes desafios da saúde mental é justamente o acesso.
Há mais de 1.600 pessoas com transtornos como ansiedade ou depressão para cada profissional disponível, apenas nos EUA.
No Brasil, essa realidade não é muito diferente, especialmente fora dos grandes centros.
IA terapeuta: solução ou risco de precarização?
Apesar dos resultados animadores, a proposta levanta inúmeras questões. A principal delas é: quem regula isso?
No Brasil, o CFP está engatinhando no endereçamento da questão. Será que, a exemplo do atendimento online, ficaremos atrasados nesse aspecto também?
O atendimento online foi regulamentado e facilitado com anos de atraso em relação a outras áreas do atendimento à saúde.
Além disso, há um risco claro de precarização do trabalho da pessoa psicóloga.
Se as empresas passarem a oferecer “IA terapeuta” como substituição de atendimento, o que aconteceria?
O cuidado psicológico pode ser reduzido a algoritmos, ignorando a complexidade da relação humana e do sofrimento psíquico.
Estamos falando de vidas, não de atendimento automatizado ao cliente.
O que ainda precisa ser debatido
Apesar da promessa de ampliação de acesso, é urgente que o debate se amplie no Brasil.
E não é SE ela for implementada em algum momento. É QUANDO ela será implementada. Vai acontecer. Entre os pontos mais sensíveis, podemos destacar:
- Relação terapêutica real: A confiança e o vínculo são elementos centrais na terapia. Ainda que os participantes do estudo tenham relatado experiências positivas, isso é suficiente para equiparar a um processo psicoterapêutico profundo?
- Riscos éticos e legais: Quem é responsável se a IA responder de forma inadequada a uma situação de risco? O estudo afirma que Therabot orientava o usuário a procurar ajuda, mas, na prática, como garantir que isso funcione sempre?
- Privacidade e segurança: Como são tratados os dados sensíveis das conversas com a IA? O estudo foi financiado por uma universidade, mas o que acontecerá quando forem empresas privadas com interesses comerciais?
- Aplicabilidade no Brasil: Nossa realidade é diferente. Falta acesso à internet de qualidade, alfabetização digital, e até mesmo um suporte emocional básico nas redes públicas. Uma IA pode agravar desigualdades se for oferecida como “única opção”.
Quem financia essa tecnologia?
O estudo declara financiamento da Dartmouth College e registro clínico no ClinicalTrials.gov (NCT06013137).
A pesquisa não menciona vínculo direto com empresas privadas. Therabot foi desenvolvido dentro do laboratório de IA e saúde mental da universidade.
Mas isso exige atenção: a tecnologia poderá futuramente ser licenciada ou comercializada. É legítimo que a Psicologia questione que interesses estão por trás da expansão dessas soluções.
IA não é psicóloga — e isso precisa ficar claro
Nenhum chatbot é capaz de substituir o olhar humano. Tampouco o não saber do outro que marca a terapia.
Mesmo os criadores do Therabot reconhecem que o sistema “ainda não está pronto para operar de forma totalmente autônoma”.
Isso mostra que, embora haja potencial, também há limites importantes.
Por isso, o CRP, o CFP, as universidades e a categoria como um todo precisam estar atentos.
E se pensássemos juntos?
Talvez a questão mais provocadora não seja apenas “a IA funciona?”, mas sim: “para quem ela está sendo construída?” e “quem lucra com isso?”.
A Psicologia, como ciência e profissão, tem a missão de proteger a subjetividade, o vínculo e o cuidado ético. Isso não pode ser delegado a um algoritmo.
Referência
HEINZ, Michael V. et al. Randomized Trial of a Generative AI Chatbot for Mental Health Treatment. NEJM AI, v. 2, n. 4, 2025.
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