Imagine viver uma experiência tão vívida que, ao final, sua mente hesite: foi real ou não? Essa é a promessa — e o risco — da pornografia em realidade virtual.
Com óculos VR, sons sincronizados e cenas interativas em 360 graus, o corpo reage como se estivesse lá. Mas o que acontece quando essa simulação começa a parecer mais atraente do que os encontros reais?
É sobre isso que trata o artigo acadêmico Virtual Reality: The World of Sexual Hyperreality (Ayuningrum et al., 2025), que analisou conteúdos do site Pornhub à luz da teoria da hiper-realidade de Jean Baudrillard.
O estudo mostra como a pornografia em realidade virtual não apenas representa o desejo. Ela passa a moldá-lo e, por vezes, a substituí-lo.

Índice
Quando o virtual parece mais real que o real
Baudrillard afirma que a hiper-realidade é o estágio em que a simulação não apenas imita, mas supera o real.
No contexto da pornografia em realidade virtual, isso significa que a experiência mediada por tecnologia pode parecer mais envolvente. Essa experiência pode ser mais cativante do que uma relação humana autêntica.
Isso porque o ambiente virtual permite que tudo seja calibrado: corpos “perfeitos”, roteiros sem erros, reações sob controle. Não há rejeição, constrangimento ou falhas de comunicação.
Mas também não há surpresa, afeto nem reciprocidade. O risco é confundir prazer com controle absoluto — o que torna a intimidade real, com sua espontaneidade, menos tolerável.
Novas possibilidades ou fuga disfarçada?
O estudo mostra que muitos usuários relatam sensações intensas, prazer elevado e liberdade para experimentar fantasias. De fato, a tecnologia pode ser positiva em contextos específicos. Isso se aplica a pessoas com deficiências físicas, isolamento geográfico ou histórico de trauma.
Mas o mesmo recurso também pode intensificar a solidão, reforçar inseguranças e dificultar a construção de vínculos. O acesso fácil e anônimo pode criar um ciclo de uso compulsivo. A personalização extrema da experiência contribui para esse ciclo. Esse comportamento não é muito diferente de outras formas de vício comportamental.
Você já se perguntou se o que busca na fantasia é algo que falta na realidade? E se, ao se proteger do risco de se relacionar, você também estiver se afastando da possibilidade de conexão verdadeira?
Comentários que dizem muito
O artigo analisa as seções de comentários dos vídeos como um espelho da subjetividade dos usuários. Muitos se expressam com humor, ironia ou desabafo.
Alguns elogiam a estética; outros criticam a complexidade dos vídeos em 360 graus. Há quem diga, como no comentário citado pelos autores: “Meu corpo diz sim, mas minha mente diz não”.
Essa frase, meio em tom de piada, revela algo importante. O corpo pode estar respondendo. No entanto, há conflito interno — uma cisão entre prazer e sentido.
Será que essas experiências estão nos ajudando a expandir a sexualidade? Ou estariam nos afastando de experiências mais complexas, menos previsíveis, porém mais humanas?
Intimidade sem toque, desejo sem olhar
Um dos conceitos mais provocativos do estudo é o da “comodificação da sexualidade”. Ou seja: quando o desejo é formatado como um produto de consumo, perdemos algo essencial — a imprevisibilidade do encontro.
A pornografia em realidade virtual oferece “intimidade programada”. Mas o que é a intimidade sem toque, sem troca de olhares, sem história compartilhada?
Isso pode gerar confusão sobre o que esperar de um encontro afetivo. Pode alimentar expectativas irrealistas sobre o próprio corpo e o do outro. Pode, sobretudo, criar um fosso entre a excitação e o afeto, entre o desejo e a empatia.
Você sente que sua sexualidade está sendo construída por você ou por um algoritmo?
Quando a fantasia prende em vez de libertar
A pornografia em realidade virtual não é apenas uma ferramenta. Ela faz parte de um contexto maior, em que corpo, tempo e desejo estão sendo reconfigurados.
Como lembra o artigo, essa tecnologia pode tanto ampliar quanto aprisionar. Quando se torna um refúgio para evitar o outro, ela deixa de ser liberdade. Quando se transforma em única fonte de excitação, ela passa a ser prisão.
Mas talvez o ponto mais delicado seja outro: o que acontece quando já não sabemos mais o que é real?
Se você sente que está se distanciando das relações presenciais, preste atenção. Se percebe dificuldades em se excitar sem estímulos artificiais, isso merece cuidado.
Além disso, se a pornografia em realidade virtual se tornou sua principal via de prazer, reflita sobre isso. Também considere se é sua única fonte de prazer. Não como condenação moral, mas como convite à escuta.
E se for hora de reconectar?
A sexualidade não é só uma função biológica. É linguagem, vínculo, presença. É também silêncio e desconforto. Ela floresce no olhar do outro, na vulnerabilidade do toque, na espera entre uma frase e outra. E tudo isso — talvez — não caiba em uma simulação perfeita.
Você já se deu a chance de viver algo imperfeito, mas verdadeiro?
Se algo neste texto tocou você, talvez seja o momento de falar sobre isso. Procurar um apoio psicológico não é um gesto de fraqueza, mas de cuidado. Um espaço terapêutico pode ajudar a compreender o que está por trás do uso da pornografia em realidade virtual. Também ajuda a entender o que, talvez, esteja pedindo por escuta em sua vida.
Referência
AYUNINGRUM, Nara Garini; GHOFAR, Achmedza Aziz; ARIFIANA, Isrida Yul; FERLINDA, Nadia Aulia. Virtual Reality: The World of Sexual Hyperreality. JSRET (Journal of Scientific, Research, Education, and Technology), v. 4, n. 2, p. 735–747, 2025.
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