A ascensão do fascismo na Alemanha nazista é um dos fenômenos históricos mais estudados. Muitas análises abordam seu impacto psicológico.
Wilhelm Reich fez isso em A Psicologia de Massas do Fascismo. Publicado em 1933, no auge da ascensão nazista, Reich usou, para isso, conceitos da psicanálise freudiana. Ele usou também a teoria sociológica da época para entender como regimes autoritários conquistam o apoio popular.
Sua obra foi pioneira ao analisar o fascismo não apenas como um sistema político. Também foi a viu como um sintoma de estruturas psicológicas e sociais enraizadas na população.

Índice
A dualidade entre obediência e rebeldia
Wilhelm Reich observou que o fascismo encontrava eco principalmente na pequena burguesia frustrada. Este era um grupo social que oscilava entre o desejo de liberdade e uma profunda necessidade de ordem e submissão.
Para ele, essa ambivalência era um traço comum na psicologia individual, especialmente em pessoas criadas em ambientes repressivos.
Muitos que ansiavam por romper com figuras de autoridade acabavam, paradoxalmente, buscando líderes autoritários que oferecessem segurança e pertencimento.
Essa análise continua relevante na atualidade, considerando o crescimento de movimentos populistas autoritários ao redor do mundo.
Mesmo com o discurso de insatisfação com o sistema, eles acabam seguindo líderes. Esses líderes reforçam estruturas de poder rígidas e excludentes.
O nacionalismo e a distorção do afeto pela terra natal
Aqui, podemos traçar um paralelo com as reflexões do filósofo espanhol Fernando Savater. Crítico do nacionalismo, Savater argumenta que “a habilidade do artista não se contenta em reproduzir uma paisagem”. Em vez disso, busca reproduzir “o suave carinho que sua contemplação desperta em nós”.
Suas observações foram feitas a partir de sua apreciação de um quadro de Johannes Vermeer sobre sua cidade natal. Para ele, o nacionalismo corrompe esse sentimento. Ele o transforma em um instrumento ideológico. O ruim do nacionalismo – uma das muitas coisas ruins – é que transforma a melancólica afeição pela terra natal.
Essa afeição vira justificação de um projeto institucional que não sabe se justificar de outro modo. “Quer degradar uma forma de amor a documento nacional de identidade”, diz Savater.
Wilhelm Reich, por sua vez, descreveu como o fascismo se apropriava de sentimentos de pertencimento. Ele usava esses sentimentos para consolidar um ideal de pureza e exclusão.
O nacionalista, aponta Savater, “não aceita a terra natal tal como ela é, em sua limitação e sua impureza reais”. E sim exige seu referendo a partir de um ideal passado ou futuro. Isso retira dela o que não se ajusta ao plano preconcebido.
Isso se alinha à análise reichiana sobre como os regimes fascistas criam uma visão utópica e mitificada da nação. Eles filtram aquilo que consideram indesejável. Além disso, constroem inimigos internos para unificar a população sob um comando autoritário.
O papel da repressão sexual
Wilhelm Reich tinha hipóteses até hoje controversas. Ele afirmou que a repressão sexual era um dos pilares psicológicos do fascismo.
Segundo ele, sociedades autoritárias impõem severas restrições à sexualidade desde a infância. Isso promove um ambiente de medo e controle. Esse ambiente facilita a aceitação de ideologias totalitárias.
O nazismo, por exemplo, explorava tanto o puritanismo quanto a sexualização da propaganda. Esta estratégia era usada para manipular massas. Utilizavam-se símbolos e discursos carregados de conotações inconscientes.
A ideia de Wilhelm Reich é que a repressão dos desejos pode ser convertida em agressividade política.
Hoje, discursos que reforçam papéis de gênero rígidos ainda são utilizados como ferramentas de mobilização política. Estes discursos também demonizam determinadas expressões de sexualidade e promovem um ideal de pureza social.
Savater e sua crítica ao autoritarismo
Fernando Savater é um dos mais renomados filósofos espanhóis contemporâneos. Ele é conhecido por seu ativismo contra o terrorismo do grupo ETA. Savater também é reconhecido por sua defesa do pensamento livre e da democracia.
Em sua trajetória intelectual, Savater sempre se posicionou contra dogmas ideológicos, sejam de direita ou de esquerda. Ele criticou fortemente o nacionalismo basco. Savater via o nacionalismo como uma forma de autoritarismo disfarçado de luta identitária.
Seu pensamento, nesse sentido, se aproxima do de Reich. Ele aponta como determinadas emoções legítimas podem ser manipuladas por regimes políticos. Isso é feito para criar conformidade e obediência.
Tanto Wilhelm Reich quanto Savater percebem que o autoritarismo cresce onde há uma combinação de insegurança psicológica. Discursos oferecem identidade e ordem em troca da abdicação da liberdade e da diversidade.
A hipnose das massas e o culto ao líder, segundo Wilhelm Reich
Inspirado em Freud, Wilhelm Reich destacou que massas tendem a entrar em um estado de “hipnose coletiva” sob líderes carismáticos. A identificação emocional com o líder gera uma sensação de força ampliada. O indivíduo se vê como parte de algo maior e invencível.
Essa fusão psicológica reforça comportamentos de submissão e agressividade contra inimigos externos. Isso explica por que tantos regimes autoritários investem em simbologias grandiosas e discursos que apelam ao sentimento de pertencimento.
A idolatria a líderes políticos, que se apresentam como figuras paternalistas capazes de guiar a nação, permanece um fenômeno recorrente.
O uso de redes sociais e mídias digitais potencializa essa dinâmica. Elas criam bolhas informacionais onde o líder é quase infalível aos olhos de seus seguidores.
A relevância contemporânea da obra de Reich
Reich foi perseguido tanto por nazistas quanto por comunistas, e suas ideias acabaram marginalizadas por décadas.
No entanto, sua análise da psicologia das massas é uma ferramenta essencial. Entender os mecanismos emocionais que sustentam regimes autoritários ajuda a compreender o cenário político atual.
Se olharmos para o mundo contemporâneo, podemos identificar traços das dinâmicas descritas por Reich em diversos contextos políticos.
O medo do diferente é um elemento atemporal. A idealização de líderes autoritários também persiste ao longo das eras. Além disso, a manipulação emocional de massas frustradas atravessa épocas e ideologias.
Portanto, revisitar A Psicologia de Massas do Fascismo não é apenas um exercício acadêmico. É uma necessidade urgente para entender como a psicologia coletiva pode ser usada para reforçar sistemas opressivos.
Também se pode utilizá-la para combatê-los.
A conscientização sobre esses processos psicológicos é um passo. Isso nos ajuda a resistir a discursos que promovem o ódio e a intolerância. Não queremos que a história não se repita.
Referências
REICH, Wilhelm. A psicologia de massas do fascismo. São Paulo: Martins Fontes.
SAVATER, Fernando. Desperta e lê. São Paulo: Martins Fontes.
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