O artigo Reclaiming the Cut, Refusing the Suture, publicado no site Parapraxis, de Rosie Stockton, articula arte e história da medicina. Também articula crítica racial e psicanálise. Isso resulta em uma reflexão incômoda e potente. Reflexiona sobre os modos como a ciência ocidental lidou (e ainda lida) com a sexualidade e os corpos desviantes.
Índice

A construção da sexualidade pela ciência
A autora parte do conceito de scientia sexualis, de Michel Foucault. Ela usa esse conceito para mostrar como a sexualidade foi transformada em objeto de controle. Isso ocorreu por meio de discursos científicos e diagnósticos psiquiátricos.
A exposição comentada no artigo foi realizada no ICA de Los Angeles. Ela reúne obras de artistas que reagem a esse legado violento.
- Há esculturas feitas com terra de túmulos de médicos racistas
- Existem livros de anatomia recortados e reconfigurados
- Diagnósticos estão amarrados com cordas de shibari.
O objetivo? Sabotar a história oficial da sexualidade e abrir espaço para epistemologias outras.
Psicologia e sexualidade: que heranças carregamos?
Como psicólogas(os), não dá para sair ileso dessa leitura. Somos parte dessa história.
Mesmo quando desejamos acolher e cuidar, trazemos conosco categorias, normas e práticas que foram moldadas em contextos de exclusão.
Como lidar com essa herança?
Como escutar um corpo sem recodificá-lo de forma patologizante?
Como sustentar um corte sem correr para suturá-lo?
Psicanálise, transgeneridade e escuta radical
Um dos pontos mais impactantes do artigo é o encontro (ou desencontro) entre psicanálise e transgeneridade.
A autora discute a forma como Freud e Lacan participaram da produção de verdades sobre o sexo. Essas verdades também tratam do desejo e do corpo.
Mas também aponta tentativas contemporâneas de ressignificação. Isso ocorre nas obras que deslocam o olhar do “analista” para o da própria pessoa que sofre.
Que tipo de escuta emerge quando o saber deixa de ser privilégio do outro e passa a ser compartilhado?
A crítica racial e a ideia de humano na psicologia
O texto de Rosie Stockton não propõe soluções fáceis. Ele nos convida a permanecer com o incômodo. Ele nos sugere pensar o sofrimento não como algo a ser eliminado.
Em vez disso, considera o sofrimento como uma linguagem que ainda não encontrou tradução.
Essa perspectiva dialoga com algo caro à prática clínica e à psicologia e sexualidade. A ideia é que há potências no sofrimento. Essas potências não devem ser apressadamente recodificadas em diagnósticos ou categorias estanques.
Vale destacar também como a autora articula raça, gênero e classe na análise dos discursos científicos.
A violência sobre corpos negros, indígenas e trans não é acidental. Ela sustenta a construção daquilo que foi definido como “humano” na modernidade.
Ao expor essa ferida, o artigo nos convida a uma ética que vá além da empatia abstrata. É uma ética que reconhece a implicação de cada um na manutenção (ou ruptura) dessas estruturas.
O que esse debate traz para a prática clínica?
Na prática clínica, esse tipo de reflexão pode ser desconcertante. Mas talvez seja justamente o desconforto que nos faça escutar melhor.
Como acolher experiências que escapam aos parâmetros tradicionais da psicologia? Como evitar repetir, mesmo sem querer, os gestos de silenciamento que a história nos legou?
Mais do que respostas, o texto deixa perguntas. E talvez seja essa sua maior contribuição.
Afinal, como lembra o título: recusar a sutura pode ser também um gesto de cuidado.
É aquele gesto que permite ao corte respirar antes de ser fechado.
Perguntas para reflexão na clínica psicológica
Quando pensamos em psicologia e sexualidade, devemos pensar em algumas coisas.
- Em que momentos da clínica sentimos vontade de “suturar” algo que talvez precise permanecer em aberto?
- Como podemos cultivar uma escuta que não normalize nem exclua?
- O que nossos próprios corpos nos dizem sobre as normas que carregamos?
Esse tipo de leitura nos desafia a ampliar nossos referenciais e a acolher o que ainda não sabemos nomear. E talvez seja aí que a psicologia reencontre sua potência transformadora.
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