Por muito tempo, as práticas BDSM foram vistas como desvios, patologias ou, no mínimo, comportamentos suspeitos. A legitimização do BDSM, no entanto, está em processo.
De fato, o que acontece quando as próprias pessoas envolvidas nesse universo tomam a palavra para falar de si?
E mais: quando elas decidem disputar espaço com os discursos médicos e morais que as marginalizaram?
Essa é a proposta do livro A perversão domesticada, de Bruno Zilli. Luiz Fernando Greiner Barp analisou o livro em artigo da Revista Estudos Feministas.
A obra mostra como praticantes do BDSM vêm construindo um discurso próprio.
Este discurso se baseia no consentimento e na diversidade.
Eles estão se afastando da patologização e buscando legitimação.
Índice

O estigma do BDSM e a patologização do prazer
Durante o século XIX, a medicina e a psiquiatria passaram a enquadrar as sexualidades não reprodutivas como anormais.
Práticas como o sadomasoquismo, o fetichismo e a homossexualidade foram categorizadas como “perversões sexuais”.
Segundo Zilli, isso criou não apenas um diagnóstico, mas uma nova forma de ser pessoa: a identidade do “perverso”.
Com Freud, a sexualidade “normal” foi delimitada em torno da penetração heterossexual.
Tudo o que não seguisse esse modelo passou a ser visto como desvio.
Práticas BDSM, por fixarem-se em objetivos sexuais provisórios, foram incluídas nesse campo.
BDSM e saúde mental: novos olhares
No século XX, a chamada “democracia sexual” trouxe algum alívio.
O foco dos estudos passou das perversões para as disfunções sexuais.
Ainda assim, os manuais diagnósticos, como o DSM, mantiveram categorias que marginalizavam a diversidade sexual.
A homossexualidade foi retirada apenas em 1987. O BDSM ainda aparece como “parafilia” em algumas versões.
Apesar disso, os praticantes passaram a reivindicar o direito à diferença e à saúde sexual.
Como mostramos ao discutir BDSM e saúde mental, a prática em si não define a saúde do indivíduo.
O que realmente importa é sua relação com o desejo.
Práticas BDSM consensuais: o papel do consentimento
No discurso dos praticantes, o consentimento é a base de tudo.
A existência de acordos prévios, palavras de segurança (safewords) e uma ética do cuidado coletivo tornam as práticas BDSM seguras. Essas práticas são muito diferentes de situações de abuso ou violência.
Zilli destaca que o BDSM é definido como um jogo. Ele pode ser ligado ou desligado. Seus limites são negociados.
A sigla SSC (são, seguro e consensual) traduz essa filosofia.
Como apontamos ao tratar do consentimento no BDSM, isso envolve mais que um simples acordo formal. É um princípio relacional.
Identidade BDSM e o pertencimento
A internet teve papel fundamental na construção da identidade BDSM.
Espaços virtuais permitiram que pessoas com desejos similares se conectassem, trocassem experiências e desenvolvessem uma linguagem comum.
Muitos desses espaços funcionaram como grupos de apoio informal.
Em nosso artigo sobre comunidade BDSM, mostramos como o senso de pertencimento pode ser curativo.
Quando o desejo encontra acolhimento, ele deixa de ser motivo de vergonha e passa a ser fonte de autoconhecimento.
Psicologia e BDSM: escuta sem julgamento
Um dos maiores desafios para a legitimização do BDSM é encontrar um espaço terapêutico que compreenda essas práticas. Como discutimos na página sobre psicologia e BDSM, escutar o desejo é diferente de diagnosticá-lo.
O BDSM não precisa ser validado pela norma para ser legítimo.
Mas ser ouvido sem julgamento é, muitas vezes, o primeiro passo.
É básico para resgatar a autonomia de quem vive o desejo de forma não convencional.
Legitimização do BDSM: desejo não é transtorno
A obra de Zilli mostra como o BDSM desafia os limites entre sexualidade, saúde mental e identidade.
Seus praticantes não querem ser tratados como heróis nem como doentes.
Querem apenas o direito de desejar com responsabilidade, autoconsciência e prazer.
Se você se identifica com esse universo, saiba que há espaço para acolher sua experiência com respeito.
Se você tem curiosidade sobre ele, existe escuta para acolher sua experiência.
E talvez, ao olhar de perto para o que chamamos de “perversão”, descubramos apenas outra forma de ser humano.
Referências
BARP, Luiz Fernando Greiner. O discurso dos perversos: praticantes de BDSM em busca de legitimação. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 3, e61986, 2019.
ZILLI, Bruno. A perversão domesticada: BDSM e o consentimento sexual. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2018.
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