A falta de conhecimento sobre sexualidades alternativas entre psicoterapeutas ainda é um problema significativo na Psicologia. BDSM e Psicologia parecem temas distantes nos settings terapêuticos.
Inúmeros praticantes relatam não se sentirem confortáveis em discutir suas experiências com profissionais que desconhecem o tema. Há motivos para isso, como veremos abaixo.
Essa lacuna pode afetar a qualidade do atendimento e perpetuar estigmas desnecessários.
Um estudo recente foi conduzido por Briana Kunstman, da University of Illinois at Urbana-Champaign, EUA.
O estudo explorou como psicoterapeutas percebem o BDSM. Ele também analisou as barreiras existentes no atendimento a esse público.
O artigo foi baseado em entrevistas com terapeutas de diferentes formações. Ele revelou que muitos ainda associam essas práticas a traumas ou distúrbios psicológicos. Isso nos EUA. Imagino que, por aqui não seja diferente.
Esse é um erro conceitual, segundo a autora, e pode prejudicar a relação terapêutica.

Índice
A falta de formação sobre BDSM e sexualidades alternativas
Um dos principais achados da pesquisa de Kunstman é a ausência de educação formal sobre BDSM na formação de psicólogos. Formação sobre sexualidades não convencionais também é ausente.
Minhas amigas, não estamos falando de uma disciplina inteira, mas que ao menos isso seja mencionado em uma mísera aula.
De fato, muitos entrevistados pela pesquisadora relataram nunca ter tido aulas ou treinamentos sobre o tema. Um dos participantes afirmou:
“Não houve nada na graduação ou na pós. Nada em nenhum dos meus estágios. Eu estava totalmente despreparado para isso. Por sorte, minha curiosidade me ajudou a aprender por conta própria.”
Outro terapeuta mencionou que sua única referência ao BDSM antes de atender clientes da comunidade vinha da mídia sensacionalista:
“A única coisa que me vem à cabeça é um episódio de Law & Order. Nele, um personagem envolvido no BDSM foi assassinado. Foi assim que fui exposto ao tema.”
Essas falas destacam um problema crítico: a falta de preparo acadêmico. Isso forma terapeutas que recorrem a informações superficiais, reforçando preconceitos em vez de oferecer um ambiente seguro para seus clientes.
Mais uma vez a boa e velha patologização.
Me dei conta de que DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) compartilha três letras com BDSM…
Pra quem não sabe o DSM é o catálogo de doenças psiquiátricas usado pela Medicina. Se caminharmos para um futuro distópico, a sociedade consegue encaixar qualquer um em uma delas.
No melhor estilo de O Alienista, de Machado de Assis.
Consentimento e comunicação: o que terapeutas podem aprender com o BDSM
Um aspecto positivo ressaltado pelos participantes da pesquisa foi a forte ênfase no consentimento dentro da comunidade BDSM.
Muitos terapeutas que tiveram contato com clientes praticantes relataram surpresa ao perceber que os relacionamentos BDSM frequentemente possuem comunicação mais aberta e regras de consentimento mais claras do que as de relações convencionais:
“O maior aprendizado para mim foi perceber o quanto o consentimento é levado a sério. Por que não fazemos isso em todos os aspectos da vida, e não só no sexo?”
- A presença de palavras de segurança reflete respeito.
- Check-ins constantes entre parceiros garantem comunicação aberta.
- Negociação prévia de limites demonstra transparência.
Juntos, eles formam um modelo de relacionamento saudável.
O mito do BDSM como reflexo de trauma
Um dos preconceitos mais recorrentes identificados na pesquisa é a associação equivocada entre BDSM e trauma.
Alguns terapeutas expressaram preocupação de que seus clientes praticassem BDSM como uma maneira de reviver experiências traumáticas.
Entretanto, a prática não é inerentemente ligada ao trauma. Ela pode ser vivida de maneira sadia e prazerosa por pessoas sem histórico de abuso.
“Precisamos entender a intenção por trás do desejo sexual. É para prazer? Para reviver uma experiência ruim? Isso precisa ser analisado cuidadosamente, sem pressuposições.” – disse um dos terapeutas entrevistados.
A importância de uma abordagem neutra e exploratória no ambiente terapêutico é essencial. Isso ajuda a evitar que clientes se sintam invalidados. Também previne diagnósticos errôneos. Me corrijo: previne diagnósticos, simplesmente.
O caminho para um atendimento mais inclusivo
A conclusão do estudo reforça a necessidade de que psicólogos e terapeutas se eduquem sobre BDSM e outras sexualidades alternativas. Algumas sugestões incluem:
- Participar de treinamentos e workshops sobre diversidade sexual
- Ler pesquisas e relatos de praticantes para compreender melhor a comunidade
- Adotar uma abordagem aberta, sem julgamentos ou diagnósticos precipitados
- Criar um ambiente seguro onde clientes possam falar sobre suas práticas sem medo de estigmatização
Se os terapeutas desejam oferecer um atendimento verdadeiramente inclusivo, o conhecimento sobre sexualidades alternativas é essencial.
Afinal, um profissional bem-informado pode criar um espaço terapêutico acolhedor. Por outro lado, um local onde o cliente sente necessidade de se esconder faz a diferença.
Referência
KUNSTMAN, Briana. All Tied Up: The Stigma and Biases Surrounding BDSM and Kink for Mental Health Providers. University of Illinois at Urbana-Champaign, 2024.
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