Pular para o conteúdo

Bolsa Família e trabalho: o problema está no benefício ou na falta de dignidade nas ofertas?

    Recentemente, um cartaz colocado em um restaurante de São Paulo viralizou nas redes sociais expondo a questão entre bolsa e .

    Nele, lia-se: “Senhores clientes, tenham paciência, o pessoal do Bolsa Família e da cervejinha não quer trabalhar.”

    A frase escancarou uma crença antiga, mas persistente: a ideia de que programas sociais desestimulam o trabalho.

    Na mesma semana, um empresário reclamou publicamente. Ele não conseguia pessoas para descarregar um contêiner por R$ 45.

    Isso acontecia mesmo “oferecendo café ao final” (Nossa, QUANTA generosidade, não é mesmo, minha gente?). Imagino o café de hotel da novela das oito que era.

    A indignação é reveladora: será que o incômodo não está no valor pago, mas na recusa em aceitar qualquer coisa? Bolsa família e trabalho estão intimamente ligados.

    A viralização desses episódios acendeu mais uma vez o debate. Será que o Bolsa Família impede as pessoas de trabalhar? Ou será que ele permite que recusem trabalhos indignos?

    O que os dados dizem sobre o Bolsa Família e o mercado de trabalho

    Estudo do economista Gabriel Mariante, da London School of Economics (LSE), mães beneficiárias têm 7,4% mais chances de estarem no mercado formal.

    O estudo foi premiado como melhor artigo sobre mercado de trabalho de 2024 pela Associação Econômica Europeia. Ele mostra que o programa serve como base.

    O Bolsa Família ajuda essas mulheres a superarem barreiras como os custos com transporte. Também cobre creche ou material escolar.

    Leia mais!  Uso excessivo do celular: simples mudança melhora qualidade de vida

    Ou seja, quando há suporte, o desejo de trabalhar emerge. E mais: esse suporte se transforma em autonomia. Isso é particularmente importante para quem cuida de crianças pequenas. Este grupo é frequentemente excluído do mercado.

    Já os homens, segundo o estudo, não apresentaram diferenças significativas. Isso evidencia como o e o cuidado influenciam diretamente na relação entre trabalho e assistência.

    Regra de proteção: um elo entre renda e trabalho digno

    Para evitar que as famílias deixem de buscar emprego por medo de perder o benefício, o governo criou a chamada regra de proteção.

    Essa regra permite continuar recebendo metade do valor por até dois anos mesmo após aumento de renda. Essa medida tem incentivado a formalização de trabalhadores. Antes, eles atuavam na informalidade — como mostram os dados do Ipea e da Pnad Contínua.

    Casos como o de Rosilene e Jefferson, citados na reportagem da BBC Brasil, ilustram isso. Ambos voltaram ao mercado de trabalho formal após períodos de instabilidade. O Bolsa Família funcionou como ponte. Ele não serviu como âncora. Bolsa família e trabalho digno estão intimamente ligados.

    Quando dignidade deixa de ser luxo e vira critério

    Os economistas ouvidos na reportagem fizeram uma das observações mais interessantes. Entre os beneficiários, está crescendo o número de pessoas que dizem não encontrar um “trabalho adequado”. Isso tem sido lido como recusa ao trabalho. Mas, será mesmo?

    A verdade pode ser desconfortável para quem acredita numa lógica estritamente meritocrática: pessoas pobres estão podendo escolher. E isso abala o mito de que a dignidade precisa ser conquistada a qualquer custo.

    O economista Marcos Hecksher destaca que houve um aumento no número de beneficiários com emprego formal. O crescimento foi de 12,6% para 14,8% entre 2019 e 2023. Ao mesmo tempo, caiu o número de pessoas em busca de trabalhos inadequados ou mal pagos. Repito: bolsa família e trabalho com dignidade andam juntos.

    Leia mais!  A repressão sexual e o avanço do autoritarismo moral no Brasil

    A crítica à meritocracia e o papel da Psicologia

    O discurso meritocrático diz que “quem quer, consegue.” No entanto, ele ignora as desigualdades estruturais. Estas desigualdades definem o ponto de partida das pessoas.

    Não se trata de negar o valor do esforço individual. No entanto, é necessário reconhecer que, para muitos, o esforço é constante. O resultado, porém, é escasso.

    A Psicologia, enquanto ciência comprometida com os direitos humanos, deve estar atenta a esse cenário. Nossa atuação deve considerar criticamente os contextos sociais, culturais e econômicos em que o sofrimento se inscreve.

    Quando profissionais da Psicologia naturalizam a ideia de que “o pobre não quer trabalhar”, eles reforçam desigualdades.

    Se eles ignoram os efeitos subjetivos da exploração, contribuem para essas desigualdades em vez de combatê-las.

    Não há saúde psíquica possível onde não há dignidade.

    O que esse debate nos revela?

    O Bolsa Família não parece afastar as pessoas do trabalho. Ele só oferece a base mínima. Isso permite que elas escolham com mais consciência e menos desespero.

    Talvez estejamos diante de algo mais profundo. É o incômodo social que surge quando os mais pobres passam a recusar a submissão. Será que nossa está preparada para aceitar que dignidade deve ser um direito de todos?


    Descubra mais sobre Psicólogo Online e Presencial em Curitiba

    Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *