Autismo não é doença. Logo, não precisa ser tratado.
E seus comportamentos típicos não precisam ser mudados, mas aceitos pela sociedade.
Nesse sentido, precisamos falar sobre Análise do Comportamento Aplicada (ABA).
A ABA é um dos “tratamentos” para autismo que tem sido amplamente adotado, se não for o principal.
Ele levanta sérias questões éticas e conceituais que apresentaremos a seguir.
- Não à toa, associações de pessoas com autismo se manifestaram sobre a aplicação da técnica.
- E a Associação Médica Americana tirou seu apoio ao método.

Índice
O que é a ABA?
A Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é uma abordagem terapêutica baseada em princípios de condicionamento comportamental.
O objetivo principal da ABA é modificar comportamentos considerados “inapropriados” ou “disfuncionais” em pessoas com autismo.
Muitas vezes, a ABA incentiva respostas que se aproximem do comportamento de pessoas neurotípicas.
Isso é feito por meio de reforços positivos e, em alguns casos, técnicas punitivas.
Essa prática tem sido promovida como o “padrão ouro” para o autismo.
No entanto, cada vez mais, pesquisadores e ativistas com autismo vêm questionando sua validade e impacto.
Questões éticas levantadas pela ABA
Pesquisadores como Wilkenfeld e McCarthy (2020) apontam que a ABA viola princípios fundamentais da bioética.
Esses princípios incluem justiça, não maleficência e respeito à autonomia.
Eles argumentam que a ABA muitas vezes força crianças com autismo a suprimirem traços naturais de sua identidade. Isso causa danos psicológicos de longo prazo.
Em outras palavras, o foco não está no bem-estar do indivíduo. O foco está na conformidade com normas sociais.
Essas normas não foram desenhadas para incluir a diversidade neurocognitiva.
Além disso, estudos apontam que muitas crianças submetidas à ABA desenvolvem sintomas de estresse pós-traumático.
A imposição de padrões neurotípicos pode levar à chamada “camuflagem autista”.
Nessa situação, a pessoa esconde suas características naturais para evitar rejeição social.
Esse esforço constante pode resultar em ansiedade, depressão e maior risco de suicídio na vida adulta.
Ser pessoa com autismo é mais um fator social que médico
Esse paradigma enxerga a condição como um conjunto de déficits a serem corrigidos. Os autores propõem uma mudança para o paradigma da neurodiversidade.
Este paradigma vê o autismo como uma variação natural da cognição humana. Não se trata de um transtorno a ser tratado.
O estudo critica a ênfase excessiva em dificuldades e déficits individuais. Aponta que essa abordagem limita nosso entendimento sobre o autismo. Ela influencia negativamente as políticas e intervenções.
Em vez disso, Pellicano e den Houting defendem que a pesquisa deve considerar fatores contextuais e sociais.
Eles reconhecem a importância da aceitação e da inclusão para a qualidade de vida das pessoas com autismo.
ABA e trauma
Esses adultos passaram por intervenções baseadas na ABA na infância. O estudo destacou relatos predominantemente negativos.
O estudo revela que muitos participantes sentiram que a ABA os forçou a suprimir aspectos essenciais de sua identidade autista. Isso resultou em impactos psicológicos adversos.
Estes impactos incluem aumento da vulnerabilidade emocional. Os terapeutas mostram falta de resposta empática. Além disso, há sentimentos de perda do autossentimento autista.
Além disso, alguns relataram sintomas compatíveis com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Isso reforça preocupações levantadas em estudos anteriores sobre os efeitos adversos da ABA a longo prazo.
Robinson e McGill apontam que há uma clara desconexão entre a maneira como a ABA é promovida por seus defensores.
Tal postura contrasta com as experiências reais das pessoas com autismo que foram submetidas a essa intervenção.
Isso sugere a necessidade de abordagens terapêuticas mais alinhadas às perspectivas e necessidades das próprias pessoas com autismo.
Falta de evidências científicas robustas para a ABA
Ela concluiu que não há evidências suficientes que comprovem a superioridade da ABA sobre outras alternativas terapêuticas.
A revisão destaca que os estudos sobre ABA são frequentemente controversos. Eles são caros e dependem de fatores externos, como treinamento especializado e envolvimento parental.
Além disso, a maioria dos artigos revisados apresenta dificuldades para uma meta-análise confiável. Isso ocorre devido à inconsistência nos critérios de inclusão e caracterização dos participantes.
A pesquisa também revelou um dado preocupante. Apenas quatro dos 52 artigos analisados mencionaram a participação dos pais no uso dos princípios da ABA no ambiente doméstico.
Isso reforça a crítica de que a ABA frequentemente exclui a autonomia da criança com autismo. A perspectiva da família é frequentemente desconsiderada na condução do tratamento.
Dessa forma, apesar de sua ampla adoção, a ABA carece de base científica robusta. Este apoio científico é necessário para sustentar sua posição como abordagem dominante no tratamento do autismo.
Essa falta de evidências reforça a necessidade de considerar abordagens alternativas que respeitem a identidade e a autonomia da pessoa com autismo.
As defesas da ABA e suas limitações
Um estudo recente, publicado no periódico Perspectives on Behavior Science (Gitimoghaddam et al., 2022), analisou 770 pesquisas sobre ABA conduzidas entre 1997 e 2020 e identificou importantes lacunas que precisam ser consideradas.
Minhas amigas… 770. Imagina o trabalho.
Embora tenha observado melhorias na maioria das áreas estudadas nos 770 artigos analisados, especialmente em cognição, linguagem e comportamento adaptativo, há problemas importantes nesses estudos que precisam ser endereçados.
Porém, porém, porém, um dos principais problemas apontados é a escassez de comparações entre a ABA a outras abordagens terapêuticas.
Além disso, apenas 4% dos artigos incluídos na revisão apresentaram um grupo de controle adequado.
Isso compromete a validade dos resultados. Não permite uma análise rigorosa sobre a real eficácia da intervenção.
Além disso, a grande maioria dos 770 estudos avaliou a ABA com base na aquisição de habilidades específicas.
Eles não mediram impactos mais amplos no bem-estar dos participantes.
Outro ponto crítico é que nenhum dos 770 estudos analisados investigou a qualidade de vida das crianças submetidas à ABA.
Isso é um aspecto fundamental para entender se os benefícios da abordagem são sustentáveis e positivos a longo prazo.
O estudo de Gitimoghaddam destaca que muitas pesquisas utilizam amostras pequenas. Elas utilizam métodos focados em comportamentos específicos.
Não consideram o efeito global da intervenção na vida dos indivíduos. Essa limitação destaca a necessidade de mais ensaios clínicos randomizados.
Além disso, é preciso pesquisar a aquisição de habilidades. Devem ser avaliados também aspectos subjetivos como satisfação, autonomia e bem-estar emocional.
Diante dessas limitações, torna-se essencial questionar a centralidade da ABA nas políticas públicas e nas recomendações terapêuticas para o autismo.
Se o objetivo da intervenção é promover inclusão e qualidade de vida, as pesquisas devem ampliar seus critérios de avaliação. Elas também precisam incorporar perspectivas mais alinhadas à neurodiversidade.
Essas análises e revisões sistemáticas do estudo de Anderson e Carr a consideram uma abordagem eficaz.
No entanto, os próprios autores reconhecem que há um forte debate dentro da ciência. A comunidade autista também questiona os impactos da ABA.
O estudo destaca desafios metodológicos na avaliação da eficácia da ABA, apesar de sua defesa. Também existem dificuldades na implementação por causa de barreiras financeiras.
Eles analisaram o impacto da ABA no desenvolvimento emocional de crianças com autismo. A conclusão foi que a intervenção teve um efeito positivo significativo.
Os pesquisadores observaram os resultados após a aplicação da ABA.
- No grupo experimental, 95,7% das crianças apresentaram melhora na categoria de desenvolvimento emocional.
- Em comparação, apenas 37% no grupo controle mostraram melhora.
No entanto, este estudo parte de uma visão altamente patologizante do autismo, o que levanta questionamentos sobre seus pressupostos.
No artigo, os autores afirmam que “o autismo é um transtorno do desenvolvimento emocional causado por danos orgânicos ao cérebro”.
Esta é uma perspectiva que não reconhece o autismo como uma variação natural do funcionamento humano.
Além disso, descrevem crianças com autismo como apresentando “atitudes como isolamento.” O artigo também as apresentam como pessoas com dificuldade de comunicação, que falam sozinhas e choram sem motivo.
E isso, pasmem, já no resumo do artigo. Nem esperaram um pouco pra criar suspense.
Isso reforça de cara uma abordagem negativa e patologizante.
Eu fico imaginando o que significa que 95,7% das crianças apresentaram melhora. Elas pararam de “chorar sem motivo”?
Está na hora de pensarmos em alternativas ao ABA
A Terapia Informada pela Neurodivergência considera o autismo não como um déficit a ser corrigido. Pelo contrário, é visto como uma variação natural do funcionamento humano.
Em seu estudo, os autores destacam que muitas abordagens terapêuticas tradicionais, como a ABA, partem de um modelo de normalização.
Elas ignoram as necessidades e vivências de pessoas com autismo. Eles sugerem uma abordagem mais ética e respeitosa.
Esta abordagem deve priorizar o bem-estar do indivíduo. A terapia deve ser um espaço seguro para a pessoa com autismo se desenvolver.
Isso deve ocorrer sem coerção ou imposição de comportamentos neurotípicos.
Além disso, os autores argumentam que a terapia informada pela neurodivergência deve enfatizar três pilares principais.
- Primeiro, é entender que a disfunção é relacional e não individual.
- Segundo, reconhecer a identidade neurodivergente como algo positivo.
- E terceiro, há a necessidade de humildade epistêmica por parte dos terapeutas.
Chapman e Botha (2022) destacam que muitas das dificuldades enfrentadas por pessoas com autismo não são inerentes à sua condição. Elas resultam de barreiras sociais e da falta de aceitação.
Essa abordagem se opõe diretamente à ABA. Ela busca auxiliar as pessoas a navegar pelo mundo de forma autêntica. Isso ocorre em vez de treiná-los para se encaixar em padrões neurotípicos.
Precisamos repensar o tratamento do autismo
A ABA continua sendo amplamente utilizada, mas suas premissas e efeitos devem ser seriamente questionados.
O que realmente significa “tratar” o autismo? Estamos ajudando as pessoas com autismo?
Estamos apenas impondo padrões neurotípicos? Fazemos isso para que se encaixem em uma sociedade que ainda não aprendeu a acolher a diversidade?
Se quisermos uma abordagem verdadeiramente ética e eficaz, precisamos parar de tentar “consertar” o autismo. Devemos começar a entender o que significa viver como uma pessoa com autismo.
Também precisamos entender o que significa se desenvolver em um mundo projetado para neurotípicos. Isso significa investir em práticas que respeitem a identidade autista e abandonem métodos coercitivos.
Referências
ANDERSON, Angelika; CARR, Monica E. Applied Behaviour Analysis for Autism: Evidence, Issues, and Implementation Barriers. Current Developmental Disorders Reports, v. 8, n. 3, 2021.
BADI’AH, Atik; MENDRI, Ni Ketut; NUGROHO, Heru Santoso Wahito. Applied Behavior Analysis (ABA) on the Emotional Development of Autistic Children. Jurnal Kesehatan Ibu dan Anak, v. 14, n. 1, p. 86-95, 2020.
CHAPMAN, Robert; BOTHA, Monique. Neurodivergence-informed therapy. Developmental Medicine & Child Neurology, v. 65, n. 3, p. 310-317, 2022. Disponível em: .
FERNANDES, Fernanda Dreux Miranda; AMATO, Cibelle Albuquerque de la Higuera. Applied Behavior Analysis and Autism Spectrum Disorders: literature review. CoDAS, v. 25, n. 3, p. 289-296, 2013.
GITIMOGHADDAM, Mojgan; CHICHKINE, Natalia; McARTHUR, Laura; SANGHA, Sarabjit S.; SYMINGTON, Vivien. Applied behavior analysis in children and youth with autism spectrum disorders: a scoping review. Perspectives on Behavior Science, v. 45, p. 521–557, 2022
PELLICANO, Elizabeth; DEN HOUTING, Jacquiline. Annual Research Review: Shifting from ‘normal science’ to neurodiversity in autism science. Journal of Child Psychology and Psychiatry, v. 63, n. 4, p. 381-396, 2021.
ROBINSON, Anna; McGILL, Owen. Lived experiences of applied behaviour analysis: adult autistic reflections of childhood intervention. 2018.
WILKENFELD, Daniel A.; McCARTHY, Allison M. Ethical concerns with applied behavior analysis for autism spectrum “disorder”. Kennedy Institute of Ethics Journal, v. 30, n. 1, p. 31-69, 2020.
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