A inteligência artificial tem transformado o cenário educacional com promessas de personalização, eficiência e acessibilidade. IA na educação oferece aos estudantes novos caminhos para aprender em seu próprio ritmo.
A tecnologia está realmente ampliando nossa capacidade de pensar? Ou estamos apenas terceirizando o esforço mental?
Essa é a pergunta do artigo The Cognitive Paradox of AI in Education: Between Enhancement and Erosion (Jose et al., 2025). Ele propõe um olhar crítico e profundo sobre o papel da IA no desenvolvimento cognitivo.

Índice
A terceirização do pensamento: o que é cognitive offloading?
Usar calculadoras, agendas e IA na educação para facilitar tarefas do dia a dia é algo comum. O termo técnico para isso é cognitive offloading — ou, em português, terceirização cognitiva.
O problema surge quando essa prática se torna a regra. O estudante deixa de exercitar habilidades essenciais como o raciocínio. Ele também perde a memória ativa e o pensamento crítico.
Segundo o estudo, o uso intensivo de IA reduz oportunidades de engajamento cognitivo profundo. Isso leva a uma espécie de “atrofia mental”.
Isso ocorre principalmente em habilidades como retenção de informações, resolução de problemas e criatividade.
IA na educação e as funções cognitivas: o que dizem os estudos?
Memória: IA ajuda ou atrapalha?
Pesquisas mostram que a IA na educação pode melhorar o acesso à informação. Contudo, se usada sem estratégia, compromete a retenção de longo prazo.
Um estudo com estudantes universitários indicou que o uso de pré-testes antes de interações com IA aumentava a retenção. Entretanto, a exposição direta e prolongada levava à queda da memória (Akgun & Toker, 2024).
Reflexão: será que, ao terceirizar o que deveríamos memorizar, estamos também abrindo mão de aprender?
Pensamento crítico: quem está raciocinando?
Em um experimento na Nigéria, estudantes relataram que se sentiam menos engajados criticamente ao usar IA. A passividade diante das respostas automatizadas comprometeu a capacidade de análise e reflexão (Ododo et al., 2024).
Pergunta que fica: a IA está nos ajudando a pensar — ou a pensar menos?
Criatividade: ampliar ou limitar?
Em aulas de criatividade nos Estados Unidos, estudantes que usaram IA apresentaram mais ideias. Mas também demonstraram dependência das sugestões geradas, com menor confiança criativa e mais fixação em padrões propostos (Habib et al., 2024).
Três teorias para entender os riscos e benefícios da IA na aprendizagem
Para avaliar com profundidade o impacto da IA, os autores utilizaram três teorias psicológicas:
1. Teoria da carga cognitiva (Cognitive Load Theory)
A IA pode reduzir a carga extrínseca (tarefas mecânicas) e liberar espaço para pensar. No entanto, existe o risco de que a IA também elimine o esforço para o aprendizado. Este é o chamado “germane load”, essencial para o pensamento de alto nível.
2. Taxonomia de Bloom
A IA facilita tarefas de memória e compreensão (níveis baixos da taxonomia). No entanto, pode inibir análise, síntese e avaliação. Esses são justamente os níveis superiores. O desafio está em usar a IA para sustentar o raciocínio, e não substituí-lo.
3. Teoria da autodeterminação (Self-Determination Theory)
A motivação depende de três pilares: autonomia, competência e vínculo. A IA pode reforçar a competência. Porém, há o risco de comprometer a autonomia e o senso de pertencimento se for usada sem mediação humana.
Caminhos para integrar IA sem perder a capacidade de pensar
O artigo propõe um roteiro de implementação consciente da IA em contextos educacionais. Entre as principais sugestões estão:
- Fazer análise de necessidades antes da adoção tecnológica.
- Escolher ferramentas que estimulem a autonomia, e não a dependência.
- Equilibrar IA com interações humanas e discussões em grupo.
- Introduzir momentos “livres de IA”, incentivando a reflexão metacognitiva.
Exemplos reais: onde a IA funciona (e onde tropeça)
- Matemática: estudantes melhoraram desempenho em testes usando IA, mas pioraram em compreensão de conceitos (Barshay, 2024).
- Ensino de idiomas: IA ajudou na fluência e na escuta. No entanto, ainda exigiu acompanhamento humano para consolidar o aprendizado (Khalil, 2024).
Riscos éticos: viés algorítmico e perda de motivação
O artigo também aponta armadilhas sérias:
- Viés nos algoritmos: softwares treinados com dados desequilibrados podem reforçar desigualdades.
- Desmotivação: se tudo já vem pronto da IA, qual o papel da curiosidade e do esforço pessoal?
Soluções incluem diversificar os dados usados pelos algoritmos. É importante exigir transparência nas decisões automatizadas. Além disso, devemos estimular o protagonismo do estudante com atividades desafiadoras.
IA: ferramenta ou muleta?
A IA pode ser uma amplificadora de habilidades ou uma erosão do pensamento autêntico. A chave está em como escolhemos usá-la. Em vez de substituirmos o raciocínio pela resposta pronta, talvez devêssemos nos perguntar:
O que a IA está deixando de me ensinar, justamente por facilitar tanto?
Referência
JOSE, Binny et al. The cognitive paradox of AI in education: between enhancement and erosion. Frontiers in Psychology, [S.l.], v. 16, p. 1-4, 2025.
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