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Comunidade NoFap: disciplina, masculinidade e as máscaras do autocontrole digital

    A tese Eternal Sunshine to the Fapless Masculinity: A Digital Ethnography of the r/NoFap Community on Reddit foi defendida por Chiara Perin na Università degli Studi di Milano em maio de 2025. Ela mergulha nos bastidores da comunidade nofap, uma das mais polêmicas da atualidade. Este é o fórum r/NoFap, no Reddit. O fórum propõe a abstinência da pornografia e da masturbação como via de “autossuperação” masculina.

    A autora baseia-se em uma etnografia digital conduzida ao longo de um ano. Ela oferece um olhar crítico sobre as estruturas de poder, e subjetividade que atravessam esse movimento. Revela camadas simbólicas que escapam ao discurso oficial de “autodesenvolvimento”. O estudo propõe que, por trás da retórica de autocontrole, há uma lógica de disciplinamento do corpo. Ele também sugere uma reprodução sutil do heteropatriarcado digital.

    comunidade nofap

    O que é o NoFap — e por que ele atrai tanta atenção?

    A comunidade nofap surgiu como um movimento online para pessoas que desejam se abster do consumo de pornografia e da masturbação. Muitos de seus membros relatam sentir-se “viciados” ou fora de controle diante do conteúdo adulto. Eles buscam assim uma espécie de “reabilitação comportamental”. No Reddit, o fórum r/NoFap reunia mais de 1,1 milhão de participantes em 2022.

    Mas o que Perin propõe é que esse movimento não pode ser compreendido apenas como uma prática pessoal ou individual. Ele precisa ser analisado em termos sociais, simbólicos e políticos. Por que homens (em sua maioria) sentem necessidade de disciplinar seus impulsos sexuais? Que modelo de masculinidade está sendo cultivado — ou reforçado?

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    Autocontrole ou autovigilância?

    A autora recorre a Michel Foucault para entender a comunidade NoFap como uma técnica de biopoder internalizada. Nesse sentido, os usuários da comunidade praticam o controle sexual. Além disso, internalizam uma lógica de vigilância constante. É como se estivessem policiando a si mesmos 24 horas por dia.

    Essa lógica transforma o próprio corpo em um campo de batalha. Cada recaída é uma falha moral. Cada dia de abstinência, um “marco de vitória”. Essa estrutura cria um ideal de “masculinidade otimizada” — livre de pornografia, produtiva, forte, racional. Mas… será mesmo?

    Que tipo de masculinidade é essa que se mede em dias de abstinência? O que se ganha — e o que se perde — ao transformar o desejo em um índice?

    Afetos e tecnologias do eu

    Um dos conceitos originais da tese é o de affordances of the (gendered) self. Os recursos digitais da comunidade nofap, como cronômetros, fóruns de confissão e ferramentas de bloqueio de conteúdo adulto, são utilizados. Eles servem como tecnologias do eu. Isso ocorre no sentido foucaultiano. São práticas que moldam o e os afetos. O objetivo é formar um certo tipo de sujeito.

    Mas esse sujeito é marcado por gênero. Os afetos que circulam ali — vergonha, orgulho, culpa, virilidade — operam dentro de um modelo heteronormativo de homem ideal. Nele, o controle do corpo e da está profundamente vinculado à ideia de sucesso, domínio e superioridade.

    Uma manosfera diluída

    Ao contrário de outras comunidades misóginas explícitas da internet (como Incels, Red Pill e MGTOW), a comunidade NoFap adota discursos mais amenos. Ela mantém uma aparência de neutralidade. Perin chama esse fenômeno de “manosfera diluída”.

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    Nesse ambiente, ideias patriarcais são recicladas sob o disfarce de saúde mental, desenvolvimento pessoal e autocuidado. A misoginia não desaparece — ela apenas se disfarça de mérito, ciência pop e fórmulas de sucesso.

    Seria essa uma nova face da opressão de gênero — mais polida, porém igualmente eficaz?

    O papel do sofrimento e da comunidade

    Embora o estudo mantenha uma leitura crítica, ele não ignora o sofrimento real das pessoas que integram o movimento. Muitos homens relatam sofrimento psíquico e vícios. Eles também têm dificuldade de lidar com a própria sexualidade. Além disso, sentem um sentimento de fracasso diante das exigências do mundo contemporâneo.

    No entanto, o que Perin propõe é que a forma como essas dores são acolhidas na comunidade acaba reforçando padrões rígidos e normativos. Em vez disso, deveria abrir espaço para a vulnerabilidade. Deveria também considerar o desejo como potência e novas formas de existir no mundo.

    E se ao invés de controle, buscássemos compreensão?

    Esse estudo nos convida a pensar: até que ponto o desejo precisa ser domado? E por que ainda associamos o valor de uma pessoa à sua capacidade de “manter o controle”? Seria possível construir outras masculinidades — mais afetivas, mais abertas ao erro, mais próximas do corpo e do outro?

    A resposta talvez esteja menos em “parar de se masturbar” e mais em parar de se punir por sentir.

    Referência

    PERIN, Chiara. Eternal sunshine to the fapless masculinity: a digital ethnography of the r/NoFap community on Reddit promoting abstention from pornography consumption and masturbation. 2025. Tese (Doutorado em Sociologia) – Università degli Studi di Milano, Milão, 2025.


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