Fui contatado pela pesquisadora Rebeca Gliosci, que compartilhou sua pesquisa sobre a relação entre games e saúde mental.
Sua dissertação de mestrado investiga como os videogames podem atuar positivamente na vida de pessoas com depressão.
- Leia a dissertação. Design de jogos terapêuticos para a depressão a partir da experiência do jogador: um olhar netnográfico
Além disso, você pode ler o artigo que sintetiza seus achados:
- Os jogos digitais como mundos terapêuticos, publicado nos anais do XXIII Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGames 2024)
Gliosci também fez parte do coletivo Girls of War. Este grupo discutia a presença feminina no mundo dos games. Elas abordavam a cultura gamer sob uma perspectiva crítica e engajada.

Índice
Os games como ferramenta terapêutica?
Esse contato veio após a publicação de um artigo em meu site. Nele, discuti a abordagem excessivamente patologizante sobre o tema. Essa abordagem é adotada por algumas perspectivas, sobretudo as biomédicas, ao tratar o envolvimento com games.
Em vez de abordar o “vício em jogos”, por que não analisamos o que essas pessoas encontram no universo digital?
O que falta a elas na vida cotidiana que os games proporcionam?
Esse é o cerne da pesquisa de Gliosci, que traz uma abordagem inovadora sobre a relação entre videogames e depressão.
O que a ciência diz sobre jogos e saúde mental?
A dissertação de Gliosci teve como base um estudo netnográfico realizado no Reddit, particularmente, este tópico:
Durante o estudo, ele analisou mais de 400 depoimentos de jogadores.
Eles relataram como os videogames os ajudaram a lidar com a depressão durante a pandemia da COVID-19.
Os relatos foram analisados sob a perspectiva da semiótica. A análise focou especialmente nos verbos utilizados pelos jogadores ao descrever suas experiências in-game.
O objetivo foi entender quais ações nos jogos proporcionam alívio emocional. Outro ponto foi descobrir por que determinados games foram tão importantes nesse contexto.
Seus achados indicam que os jogos digitais podem servir como mundos terapêuticos espontâneos. Nesses mundos, os jogadores encontram refúgio, estrutura, socialização e até propósito.
Algumas ações mais recorrentes nos depoimentos analisados foram:
- Explorar → necessidade de descoberta e curiosidade;
- Partilhar → desejo de conexão social e interação com outros;
- Sossegar → busca por relaxamento e conforto emocional;
- Competir → necessidade de desafio e superação pessoal;
- Criar → desejo de expressão e autonomia.
Além disso, a pesquisa demonstrou que os games podem impactar positivamente a regulação emocional. Eles também afetam a cognição e até a motivação diária de pessoas com depressão.
Em alguns casos, o simples fato de jogar fornecia uma razão para levantar da cama. Ele também incentivava interagir com o mundo, mesmo que virtualmente.
Quem sofre com depressão sabe. Sair da cama é um grande passo.
Games e depressão: uma abordagem além da patologização
Muitos estudos científicos sobre jogos digitais se concentram em seu potencial prejudicial. Eles focam em temas como gaming disorder (transtorno do jogo) e supostos impactos negativos do tempo de tela.
No entanto, a tese de Gliosci sugere que há uma lacuna no debate acadêmico. A perspectiva do jogador raramente é considerada nas pesquisas sobre games e saúde mental.
Gliosci comparou o conhecimento empírico derivado dos relatos de jogadores com o conhecimento científico existente. Ele percebeu que a voz dos próprios jogadores não é necessariamente ouvida por quem estuda os efeitos dos videogames.
Isso gera um problema metodológico e prático. Se queremos entender o impacto real dos games na vida das pessoas, precisamos considerar a experiência subjetiva desses mundos digitais.
O futuro dos jogos terapêuticos
A pesquisa também abre portas para o desenvolvimento de novas estratégias de intervenção em saúde mental baseadas em videogames. Alguns jogos são criados especificamente para esse propósito. No entanto, muitos games tradicionais já cumprem esse papel, mesmo que não tenham sido originalmente projetados para isso.
Isso pode levar ao desenvolvimento de games que não apenas tratam sintomas. Eles também permitem que os jogadores explorem sua própria identidade.
Os jogos ajudam a fortalecer vínculos sociais. Além disso, os jogadores encontram alívio emocional dentro dos mundos virtuais.
De fato, muitas vezes, diferentemente da perspectiva biomédica, as pessoas não precisam ser “consertadas”. Precisam arrumar um lugar no mundo em que sejam aceitas com suas peculiaridades.
Games e saúde mental, muito além da visão simplista do “vício”
A conexão entre games e saúde mental vai muito além da dicotomia simplória de “vício” vs. “tratamento”.
Os videogames são ambientes de interação. Eles proporcionam construção de significado e expressão subjetiva.
Seu impacto sobre a depressão depende muito mais de como eles são utilizados. Isso é mais relevante do que uma classificação genérica de “bons” ou “ruins”.
Se quisermos avançar nesse debate, precisamos ampliar nosso olhar e considerar o que os próprios jogadores têm a dizer.
Estudos como o de Gliosci ajudam a desestigmatizar o uso de games. Em muitos casos, os jogos podem ser uma ferramenta valiosa para o bem-estar emocional.
Referências
GLIOSCI, R.; SILVA, T. B. P. Design de jogos terapêuticos para a depressão a partir da experiência do jogador: um olhar netnográfico. Anais do XV Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design – P&D Design Manaus, 2024.
GLIOSCI, R. Os jogos digitais como mundos terapêuticos. Anais Estendidos do XXIII Simpósio Brasileiro de Jogos e Entretenimento Digital (SBGames), 2024.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UnB). Estudo investiga uso de videogames no tratamento da depressão. UnB Ciência, 2024.
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