BDSM e saúde mental andam juntos segundo pesquisa. O estudo publicado em 2024 na Journal of Humanistic Psychology confirma.
Pesquisadores analisaram a experiência de mais de 1.000 praticantes de BDSM.
Eles descobriram que, para a maioria, a participação nessas práticas está associada a maior autoaceitação. E também está relacionada à maior autonomia. Além disso, há relações interpessoais mais saudáveis e crescimento pessoal.
Os achados desafiam um dos mitos mais comuns sobre o BDSM. A ideia de que ele está necessariamente ligado a traumas passados.
Pelo contrário, os dados sugerem que, para muitas pessoas, o BDSM pode ser uma ferramenta de regulação emocional. Também pode ajudar no desenvolvimento pessoal e até mesmo na superação de desafios psicológicos.
O estudo foi conduzido por Richard A. Sprott, doutor em Psicologia do Desenvolvimento pela UC Berkeley, e Anna Randall, doutora em Saúde Sexual..
Ambos têm vasta experiência no estudo das sexualidades alternativas e no impacto dessas vivências sobre a saúde mental.
A pesquisa foi financiada pelo Cleveland Leather Awareness Weekend, Inc., reforçando o interesse da própria comunidade BDSM em fomentar estudos acadêmicos sérios sobre o tema.
Índice
O que o estudo analisou e como?
A pesquisa utilizou dados da National Kink Health Survey (2016), analisando respostas de 1.003 participantes que relataram como o BDSM impactou sua saúde mental. Os principais questionamentos do estudo foram:
- O BDSM impacta a saúde mental? Se sim, de que forma?
- O impacto varia de acordo com o papel BDSM (Dominante, Submisso ou Switcher)?
- Os efeitos são predominantemente positivos ou negativos?
Para interpretar os resultados, os autores utilizaram o Modelo de Bem-Estar Eudaimônico de Carol Ryff.
Este modelo avalia aspectos como autoaceitação, autonomia e crescimento pessoal.
Além disso, aplicaram análise temática indutiva, permitindo que temas emergissem naturalmente dos relatos dos participantes.

BDSM e bem-estar: que benefícios foram identificados?
A maioria dos participantes relatou que o BDSM trouxe impactos positivos para sua saúde mental. As quatro principais áreas beneficiadas foram:
- Autoaceitação: Muitos participantes relataram que o BDSM os ajudou a se sentirem mais confortáveis com sua identidade sexual.
- Autonomia: A prática do BDSM proporcionou um espaço seguro para expressar sua sexualidade sem medo do julgamento social.
- Relações interpessoais positivas: O BDSM fortaleceu a comunicação entre parceiros, promovendo relacionamentos mais saudáveis e baseados no consentimento.
- Crescimento pessoal: Muitos participantes destacaram que o BDSM foi uma jornada de autoconhecimento e desenvolvimento emocional.
Um dos achados do estudo: não houve diferenças significativas entre dominantes, submissos ou switchers. Dominantes, submissos e switches experimentaram impactos semelhantes e positivos sobre a saúde mental.
Isso refuta estereótipos. Um desses estereótipos é a ideia de que submissos são passivos e manipuláveis. Outro é que dominantes são sempre confiantes e seguros de si.
BDSM como ferramenta de regulação emocional
Outra descoberta relevante foi que muitos participantes utilizam o BDSM como forma de regulação emocional.
- Pessoas com perfis controladores relataram que, ao assumirem um papel submisso, encontraram alívio e relaxamento.
- Algumas práticas, como a privação sensorial ou o impact play (como spanking), foram mencionadas como formas de canalizar emoções intensas.
- A comunicação intensa exigida no BDSM ajudou praticantes a aprimorar habilidades emocionais e a fortalecer sua resiliência.
Esses achados sugerem que o BDSM pode funcionar como uma estratégia ativa para modular estados emocionais. Isso é semelhante a práticas terapêuticas que envolvem exposição controlada a estímulos intensos.
BDSM e Trauma: um mito persistente
Muitos terapeutas assumem, erroneamente, que o BDSM está diretamente ligado a traumas passados. No entanto, os dados não sustentam essa visão:
- O estudo não encontrou evidências de trauma mais frequente entre praticantes de BDSM. Não houve diferença em relação à população em geral.
- Alguns participantes mencionaram que o BDSM ajudou na superação de traumas. Isso permitiu que reconstruíssem sua relação com o próprio corpo. Eles também conseguiram estabelecer novos limites com base no consentimento.
- Segundo Richard Sprott, “A suposição de que práticas BDSM estão ligadas a traumas passados é equivocada. Esta suposição não tem suporte empírico.” Evidência que, aliás, é acumulada há 40 anos.
Isso significa que a busca pelo BDSM como expressão da sexualidade não é causado por traumas.
No entanto, para algumas pessoas, ele pode servir como um espaço seguro para ressignificação e fortalecimento emocional.
Desafios e impactos negativos relatados
Embora os impactos positivos predominem, alguns desafios foram citados pelos participantes. Esses desafios estão mais relacionados ao contexto social do que à prática em si. Os principais desafios incluem:
- Estigma e discriminação: Muitos praticantes sentem medo de expor sua identidade BDSM por receio de julgamentos e preconceito.
- Dificuldade em encontrar parceiros compatíveis: Encontrar pessoas que compartilhem os mesmos interesses e limites pode ser um desafio, gerando frustração.
- Más experiências com parceiros BDSM: Embora raros, alguns relataram vivências negativas dentro da comunidade. Isso destaca a importância de comunicação e consentimento.
O estudo deixa claro que os problemas relatados não decorrem da prática BDSM. Eles surgem do estigma social e de desafios interpessoais.
O que os psicólogos precisam saber sobre BDSM?
A pesquisa reforça a necessidade de profissionais da Psicologia se educarem sobre BDSM. Isso é essencial para oferecer um atendimento adequado e sem preconceitos.
- O BDSM não é uma patologia e não deve ser tratado como um problema.
- Pacientes relatam medo de se abrir com terapeutas, temendo serem julgados ou mal diagnosticados.
- Profissionais cientes do mundo kink podem ajudar pacientes a compreenderem seus desejos sem assumirem que há algo a ser corrigido.
Precisamos de mais pessoas psicólogas cientes do mundo kink
A pesquisa de Sprott e Randall reforça que o BDSM pode ser um fator positivo na saúde mental. Ele promove autoaceitação, autonomia e crescimento pessoal.
Além disso, desmistifica a ideia de que o BDSM está ligado a traumas. Evidencia que os desafios enfrentados pelos praticantes decorrem mais do estigma social do que da prática em si.
Para que pessoas que praticam BDSM tenham um atendimento psicológico de qualidade, é essencial que os profissionais se atualizem. E, desse modo, ofereçam um espaço seguro, sem julgamentos ou pressuposições equivocadas.
Referência
SPROTT, R. A.; RANDALL, A. The Invisible Gate: Experiences of Well-Being in the Context of Kink Sexuality. Journal of Humanistic Psychology, 2024.
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